quinta-feira, 15 de maio de 2008

Poema em preto e branco

Meus ouvidos estão ocupados
Entorpecidos por um rock
Em baixa voltagem,
Rimbaud passeia pela sala
E está no colo das pessoas.
E mais tarde
Sem rock
Surfarei versos franceses,
Ouvirei o tumultuo
Mudo de um túmulo,
Serei bucólico
Como Augusto dos Anjos,
Vomitarei uma poesia ácida
Nos fracos
Flancos do asfalto
De piche e ouro barroco
Como Gregório de Mattos,
Poesia; minha foto
Seus fatos são meus olhos
Olhos que ficam na história,
Esquecidos pelos caminhos,
Não amarei
E muito menos espancarei
O também belo Verlaine….
Socorro, socorram-me!
Os meus poros
Hoje, são poucos para tamanha
Acidez da vida,
Enquanto derrubam as gêmeas
Sem mãe
Pobres torres,
Oh, rica Manhatan em chamas
Pelos meus olhos
Filtro teus decassílabos
E danos,
Eu ouço o que clamas,
Seu sorriso capitalista
Agora cariado
Pelo fogo da incompreensão
São tantas quedas
E o tempo passando
Cai o muro de Berlim
Cai Hitler no caldeirão
De um passado
Hoje
Ontem
Outrora
Um passado
Já passado a limpo…
Oh, eram gêmeas também
As duas Alemanhas
Hoje se beijam com a mesma boca.
Caem estrelas atômicas
Sobre o pálido céu do Japão
Estrelas brancas e vermelhas
Azuis, sorriem
Um sorriso de pavor e alegria.
Céus, por que tantas queda?
E no Vietnã
Quantos caíram na cova dos leões
Como se fosse tudo aquilo
Mais uma vez a estupidez de um Coliseu…
Entre mortos com o mesmo golpe
De faca
De foice
De machado
De bala de canhão
Entre tantos golpes no coração
Já não sobraram homens
Pra todas as mulheres
Nem mulheres para todos nós.
Onde estão os restos
Dos corações dos poetas?
Onde está a perna amputada
De Rimbaud?
Cadê seus 37 anos de poesia?
Onde estou eu,
No fogo cruzado
Entre produtor e produto
Entre o cego que esmola
E a esmola que se dá em vão
Entre socialista e sanguinário
Entre o poeta que se entrega
A chuva como que se entrega
Ao chicote do feitor,
Entre o ódio e a libido
A doença e o comprimido
Tudo isso em um mesmo copo
De sangue e antibiótico.
O que faço com a cerveja
E a sede?
O que faço com o vinho
E a profecia?
O que faço com a vodca
E a poesia?
O que faço com a água
Mineral e a benta?
O que faço com a água
Que já é ardente?
Céus, como está gelada
Ela tem a faca
E eu tenho uma noite toda
Para morrer de sede
De sono
De tédio
De medo
De frio
De pena
De vergonha
De ódio
E apenas 27 anos
Para engolir todas estas madrugadas
Beber todas essas constelações
(Vomitar cada uma das estrelas)
Que sorriem no pálido
Céu dos vícios dos homens…
A circunferência da pupila
Sorri de medo
Medo de mim
Medo da noite
Da foice da morte
Medo dos meus versos
Medo do meu medo
E do meu amor
Medo de ver o tempo passar
Ter que viver toda vida
Em apenas uma semana…
Oh, menina
De olhos tão doces
De olhos tão distantes
De olhos tão límpidos
E de olhos tristes demais
De sorriso tão leve
Oh, menina
De olhar tão amargo
De olhos de fel
De olhos de carnificina
De olhos incertos demais
E sorriso tão denso.
Me diga o porque.
Por que choras
Ao me ver sorrir?
Ao ver cantar?
Ao ver flertar?
Ao me ter em seus braços?
Sorri para ver meu pranto?
Por que tantas dúvidas
Em um único olhar?
São tantas questões,
Mas um poeta não precisa
De suas respostas
Eu conheço todas
Decodifico todos os teus
Códigos de barra
Seus olhos já não me enganam
Teu sorriso
Aprendeu com as noites gastas
Em vão
Que é fácil descansar no meu ombro
Todas as tardes.
Talvez eu te ame
Ou de odeie
Te deseje
Teu sorriso
Teus seios
Teu ventre
Teu sexo
Teus olhos
Teus olhares
Teu toque
Em um toque apenas
Deseje tua nudez
A claro da lua
A luz do sol
A sombra da noite
Te quero, mas já não sei em que sentido
Talvez como naquele
Texto da Clarice Lispector
Te deseje ao contrario
Te deseje ao avesso
Mas os meus olhos já se perdem no vazio
De um livro vazio
Tento preencher o vazio
Do meu peito tão vazio…
Nesse momento se eu fosse
Leonardo, Paul ou Van Gougue
Pintaria a luz apagada
Deixada por teus passos
Na penumbra das minhas retinas
As sombras deixadas por teu caminhar
Já tão cheio de pressa,
Se fosse Caetano
Diria que o quadro é lindo,
Mas sou Édipo
Sou minha própria Jocasta
E por isso matarei Laio
Por que é minha obrigação
E para que a vida não deixe
De ser um mito,
Cuspirei
Todos os meus dentes de ouro
E enterrarei a todos em um sarcófago
Qualquer onde não haja luz
Nem paz
Pois prefiro as noites
As sombras, os olhos
De gatuno escondido nos becos…
Sou herdeiro de um poema morto
Aborto
Barco sem porto
Arroto
Poema enterrado na lama
Na palma da minha mão
Nas brasas do meu coração
Um coração em chamas…
Acredito na minha herança
Acredito no karma
Nos olhos que nada vem
Alem do medo que tem de ver
A si e seus medos obscuros,
Acredito que provarei o gosto
Do gosto
E dos desgosto
E nada será em vão
E mesmo assim serei vazio
Herdei a fumaça
E a carne mal passada
Da geração coca-cola,
Suas gripes
Suas overdoses
E o sabor doce mel e cru
Do seu câncer sem data.
Herdeiro de uma pátria
Sem patriotas
Só burgueses e patrícios
Cães se dono
Cães de guerra
Cães sarnentos
Cães e gatos que disputam um osso,
E esse osso está em mim
Soterrado em minha alma…
Não direi mais um único palavrão,
Oh, que bom, já sou um homem letrado
E sonho escalar
Todos os picos do mundo
O cume da vida
Todas as pirâmides do Egito
Sustentar toda a Índia
Sobre só um dos ombros…
Oh, como sou pobre e
Miserável de espírito
E como sinto saudades
Daquilo tudo que não conheci,
Minha existência já não é um fato
É meramente um fardo,
Sou um soldado de chumbo
Sem uma perna
Um Rimbaud de chumbo
Mas sem poesia e sem baioneta,
Perco-me na aventura
Mal resolvida da vida…
Chovam pedras a esmo,
Caiam rosas
Todas sobre minha cabeça
Fora de mim
Ao meu redor e por todos os cantos
E de minha lápide
De poeta faminto
Que chovam verdades tortas
Cruas e sãs
Sobre meus cabelos
Testados e reprovados
Pelos olhos da multidão…
A televisão no pátio
Mostra um duelo antigo
Uma guerra sem fim
Sem data
E sem vencedores
Mostra os céticos
Em sua peleja com os descrentes
Em pleno Maracanã
Um coliseu sem poesia
Sem sangue
Sem devoção
Sem Cézar
Dois times em pleno combate
Gladiadores órfãos
Que joguem
Que matem
Que morram
Que chovam gotas de amor sobre meus ombros
Cansados da vida,
Que chovam rumores
E vozes roucas
Sobre meu olhar sem Deus
E sem religião
Sem santos
Sem preces
E sem albergados em noites mais frias que essa…
Chovam corpos
Livres e tatuados
Caiam restos de cadáveres
Sobre minhas sobrancelhas
Que sobem e descem
A cada verdade
A cada mentira
A cada truque de um mágico mambembe
Chovam rosas vermelhas
Brancas
Rosas de todas as cores
Um arco íris de pétalas
Sobre as sombras de um velório
Sem corpo exposto
Sobre o corpo do esposo
Que se foi na chuva e ainda não voltou para a ceia
Chovam moscas e insetos
E chova chuva de verdade
Sobre as estradas que me levam
A coração da floresta
Ao coração da mulher
Que mora em uma floresta de dúvidas
Por detrás das muralhas da incerteza…
Céus, como sou torpe
Ao me banhar nestas águas
De um sorriso
Que frio chove sobre mim.
Lindo é o sorriso
Dos poetas que mentem
Por qualquer propina
Por qualquer centavo mal pago
Qualquer canção desafinada
E contrabandeiam versos de amor
Mas não conhecem os atalhos
Nem as estradas
Que levam ao coração
Um beijo
Uma rosa
A invenção da roda e da escrita
Destruiu os bárbaros
E criou os poetas
Mas estes não entenderam o porque
Não compreenderam os sinais
Não desvendaram os mistérios
Não souberam interpretar as cartas
Os búzios
As relíquias
Os telegramas
As runas
Os mistérios da natureza
E então apenas dançaram valsas
Sob a lua
E beberam o vinho que não deviam
Vinho que seria servido noutro banquete
E vomitaram vômitos de homem…
Céus, por que o tempo inventou os homens?
E por que os homens inventaram
O amor
A guerra?
O que é a guerra, meu Deus?
O que é o amor, meu Deus?
Meus Deus, pra onde devo ir?
O rei está nu
E é proibido o roque
O bote
O trote
Pois é o rei um escroque
Então, cheque mate!
Mas por mais que se mate
Sempre haverá um rei de pé,
Pisando sobre as chagas de seu povo
E esse povo será órfão
E o rei
Os bispos
A rainha
E seus peões
Lacaios sem patrão
Montados em seus cavalos
Seu tabuleiro se chamará vida
E o ultimo lance será do Tempo
Ultimo gambito
Ultima abertura
Ultima estrofe
Ultimo lance que será eterno
Será tudo o que o rei espera
Quando o rei cair
Esmagará seu povo
Mas o povo perdoará seu rei,
Por que ele é único
E assim será até o amanhecer….
A noite espera a queda da
Torre de Piza
Da torre Enfeou
Da muralha da China
Do cristo Redentor
E de tantas outras coisas inúteis e abstratas
Os olhos espreitam
Os ouvidos ouvem murmúrios
As bocas não mais se procuram
Se sim murmuram
E a torre não cai
Nada cai
Nenhum gota de chuva
Nenhuma pétala de rosa
Nenhum satélite russo
Nenhum caça americano
Nenhum avião da TAM
Apenas a noite é quem cai
A noite chove
Sua penumbra sobre as almas tristes
A noite sorri com olhos e com dentes
Ouço rock como nunca
Ouvirei em outra madrugada
Passarei todas as noites
Sonhando com uma poesia sem pudor
Sonharei sonhos secretos,
Muitos
Vários
Diferentes
Singelos
Torpes
Obscenos
Puros
Contagiosos
Diria infinitos sonhos em uma única noite
Distorcidos
Distraídos
Desmedidos
Destemidos
Desordenados
Disparatados
Dementes
Demorados
Demasiado turvos para meus olhos
Centenas deles bonitos
Bobos
Breves
Sonharei com arrepios
Acordarei muitas vezes
Gritando um certo nome
E tendo muita fome
Muita sede
E ainda mais sono
Céus, como vou dormir
Nos cabelos
Nos lábios de
Diva
Helena
Iracema
Clarissa
Ana Karenina
Ema Bovary
Tantas musas e deusas
Camponesas e burguesas
E por todos os sonhos
Que a vida me furtou…
As pedras estão vivas
As perdas estão intactas
A água corre entre as margens dos rios
As águas se perdem no sonho de serem pedras
E vomitar décadas
E placas tectônicas
E o tétano amarelado
De muitas e muitas eras
Os rios são veias
Chorando o sangue dos homens
Chorando as dores dos
Muitos partos ao longo dos tempos…
Meus cabelos estão fartos
A histeria da via
Por isso se entregam a correnteza
E descem rio a baixo
Mar a dentro
Vida a fora
E jamais desaguaram no oceano…
Vejam a pobre Joana D’Arc
Lutando contra os ingleses
19 anos
Em sua armadura
Com sua espada
Com sua lança
Com seu himem intacto
Céus, como somos hipócritas
Ela acreditava em Deus e por isso foi queimada
Cinco séculos depois a tiraram do forno
A serviram na ceia
Céus, como somos hilários
Ela já não existia e por isso foi canonizada
Pela janela a vejo
À frente de seu exercito
E tudo se vai
E tudo se foi
Com o advento do controle remoto
No entanto ainda somos os mesmos
Vermes de sempre
Devoramos toda a carne exposta
Seja ela de barro
Ou de ouro com brilhantes
O relógio marca
A hora do almoço
A santa hora dos vermes
Que comem a vida
E brindam o dia da morte…
Noite a dentro
O vomito e o asco de mim mesmo
E de meus inventos
Meus rebentos poéticos
Devoro sílabas temperadas com
Sal
Cal
Sereno e
Sacrilégio
E as lágrimas já são doces
De tanta insistência
Quando brinco sou mistério
Quando falo sério
Simplesmente não sou
Não estou
Sonho com uma barraca
Pode ser de lona
E uma mochila
Tudo em uma enorme estrada
Que vai do nada ao nada
Mas acordo
E o nada está aqui
Ao meu redor
Dentro de mim
Vazando dos meus olhos
Correndo por minhas veias
Dançando ao meu redor
Saltando por sobre minha cabeça
Um nada imutável
Tudo imutável
Ao meu redor
Meus amigos são estéreis
Minhas amigas são todas frigidas
E todo o nosso tesão
Morreu na primeira curva
Somos todos doces
Doces demais
Céus, como somos doces,
Principalmente eu
Somos todos fracos
Fracos demais
Eu mais do que ninguém
Somos loucos
Loucos demais
Mas estamos vivos
Céus, e como estamos vivos.
Como e nossa vida?
Ora, que pergunta!
Batalhamos por bebida
Na porta das igrejas
Comemos o que?
Ora, que pergunta!
Buscamos alimento nas portas das bibliotecas.
Todas as noites sonhamos
Com sorrisos de verdade
Sonhamos sonhos de criança
Céus, como somos inocentes
Inocentes demais
Principalmente eu…
Passaram-se os dias
De furiosas tormentas
Mas ainda preciso
Fazer um poema
E lavar o meu prato…
Se Platão estava certo
O tempo não passou
E eu sou o mesmo
De uma hora atrás
Se ele estiver certo
Eu estou redondo e enganado,
Não estou mais aqui
Nem acolá
Nem agora
Nem nunca mais
Mas neste momento nada importa
Se meu pulmão está certo
Ainda respiro ar
Ainda pressinto o ar
Ainda necessito de ar
E meu estomago logo mais
Gritará por qualquer coisa
E meu coração ainda bate
Por que se eu estiver errado,
Mesmo assim ainda estarei vivo…
Do outro lado do Equador
Os ralos
As latrinas
Os loucos
Os solitários
As ratazanas
Os boçais
Coitados, não são mais os mesmos
Não sorriem
Seu sorriso
É deste lado
A linha do Equador é logo ali
Na palma da minha mão
Se confunde com a linha da vida
Com a linha do destino
Pois a vida é uma rua de mão dupla
E nada disso impede
Que eu seja sugado por um enorme ralo
Girando
Um fuso horário confuso
E me vendo
Por quase nada
O dólar
O euro
O real
O ien
Já não me compram
Pois não me vendo a esta hora
Somente ao anoitecer
E tenho sido tupi guarani
Até as raízes dos cabelos….
Sou, por hora, por ainda agora,
Por mais algumas estrofes,
Um monossílabo tônico
E minha garganta
Se surpreende
Vendo os homens grunhirem
Seus versos imorais
Toda a lascívia verbal
Danifica meu ego
De (suposta por todos
E até por mim mesmo)
Pureza intocada
É assim que defendo
Minha poesia
Como única
Entre todas as que são únicas
E como José Paulo Paes
A minha rua também é curta…
Sinto uma saudade
Tão grande dos versos
De tempos atrás
Céus, eles eram sinceros
Eram a verdade
Meus versos de hoje são míopes
Não enxergam um palmo
A frente do nariz
E além do mais
São politicamente incorretos
A esta hora da madrugada
Já sucumbem ao licor
A aspirina
A cafeína
Uma grande nuance de tônicas
E águas tônicas
Pobres de meus versos
Que já não podem voar
Além de sua própria miopia
Seus músculos são pobres
Seus nervos cansados
Todo seu corpo
Seu verso
Cada estrofe
Tudo está flácido
Está morto
E já devo dar a mão
Com alguém que ainda não chegou
E juntos ir até o velório
Que ainda não começou
Assim como meus versos
Estou desnutrido
De fé e de inspiração
Ambos morremos junto
Carregamos um fardo
Que não é nosso de fato.
A lei áurea não nos libertou
E ainda vivemos, eu e meu verso
Mais antigo,
Com grilhões
atados a consciência….
ou serei eu cego?
O último dos crédulos?


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