domingo, 28 de março de 2010

Inês e o coelho branco.

Inês queria apenas um pedaço de papel para rabiscar alguns versos, que lhe surgiram de repente, bailando para lá e para cá dentro de sua imaginação, a principio parecia se tratar de um poema sobre um coelho branco e de olhos vermelhos, versos que descreviam a pelagem macia e alva do bicho, o fogo que vazava dos olhos fumegantes da criaturinha. Por isso queria um pedaço de papel, antes que o coelho sumisse, fugisse saltitando, algo, alias, muito comum a essa meiga espécie. Ela pensou consigo mesma.
Procurou dentro da bolsa, mas não encontrou nada, a não ser uma velha caneta azul toda cheia de marcas de dente em uma das extremidades, fez o costumeiro teste na palma da mão, sim a caneta ainda estava funcionando. Só faltava mesmo o tal pedaço de papel, antes que o coelho fugisse e levasse, consigo, para longe a inspiração.
Não era todos os dias que tinha inspiração para um poema àquela hora da manhã, a idéia acabara de lhe surgir ali, bem na frente do balcão da padaria, enquanto abria a boca, salivante, para pedir o sonho, cujo recheio escorria caprichosamente pelas bordas, na vitrina. Estacou-se com o dedo indicador ameaçadoramente apontado em direção ao sonho, enquanto o homem por detrás do balcão a olhava sem nada entender. O que saiu de sua boca, então, não foi nada parecido com o que tinha em mente.
- O senhor poderia me arrumar um pedaço de papel qualquer?
O homem sem entender necas de pitibirecas apontou em direção ao porta guardanapos sobre o balcão.

Ela escrevia poesia, somente as vezes, geralmente, assim, de repente, como de manhã dentro da padaria. Acabou nem mesmo comprando o sonho. Um único guardanapo não foi suficiente, foram necessários dois, três, quatro, ela nem se lembrava mais quantos de fato, afinal o coelho era muito inspirador, tinha muito o que dizer, uma torrente de palavras, o pelo, os olhos, as orelhas, as patas, o nariz, e por ai em diante, versos, versos e mais versos.
Inês tinha um blog, tudo o que escrevia ia parar ali, mas o poema recém escrito lhe deixou com uma pulga atrás da orelha. Não se parecia por demais bobo? O que queria dizer um poema sobre um coelho branco? Quantas pessoas normais escreveriam um poema sobre um coelho branco? Ainda mais em guardanapos de padaria? Aliás, quantas pessoas na sua idade perderiam tempo escrevendo poemas sobre quaisquer coisas que fossem, em guardanapos de padaria ou não? Pensou sobre isso. Olhou o poema. Olhou a página do blog. NOVA POSTAGEM. Postar ou não? Essa era a pergunta que não queria calar dentro da cabeça de Inês.
- Depois decido. – Guardou o poema na gaveta.
Ela tinha apenas 16 anos, as amigas diziam que ela deveria estar mais preocupada em conhecer garotos, do que em escrever poemas, sobre quais temas fossem. Era época de namorar, diziam elas, beijar na boca, ficar, iniciar a vida sexual, blá, blá, blá.... Inês não estava nem um pouco interessada em nada dessas coisas, preferia muito mais perder seu tempo com os livros, poemas, historias de amor, contos, crônicas, sonetos, Fernando Sabino, Vinicius, Drummond, Loyola e por ai afora. A mãe dizia que esse tipo de leitura não era para sua idade, ainda era muito nova, poderia ser corrompida mal influenciada e lá vinha mais blá, blá, blá... Por isso lia escondida, Rimbaud, Verlaine, Willian Blacke, Sade, Sartre... Por isso se sentia boba escrevendo um poema sobre um coelho branco.
Inês não achava os poemas publicados no blog, bons o suficiente para serem de fato chamados de poemas, não eram profundos, nem perturbadores, mas mesmo assim não eram tão ruins ao ponto de falarem sobre coelhos brancos, ou pretos, não haviam coelhos ali. Esses tais poemas já postados versavam sobre coisas mais pertinentes ao amplo universo dos temas que realmente mereciam versos, o amor, a solidão, a dor, a rejeição, a dor de cotovelo, a magoa, a paixão, a descrença, solidão, saudade, amor, duvida... A maioria eram de cunho simbolista, anarquistas, ela não achava nada disso, havia sido o professor que havia dito essas palavras, cunho simbolista. Anarquistas, ela nem mesmo saberia dizer direito o que essas palavras de fato significavam. O professor disse as palavras depois de uma breve e furtiva incursão ao “Blog da Inês” esse é o nome do blog. Ela não soube se ficou feliz ou decepcionada, na verdade ficou quase que indiferente diante dessa observação didática.
Por fim decidiu postar o poema. Não era muito grande, ela digitava rápido. Dali a poucos minutos o poema estaria disponível na web. Somente a noite saberia a reação dos leitores, já que era nesse horário que ela costumava visitar os comentários do dia.
Fechou o blog.
Saiu da net. Desligou o computador.
Voltou correndo à padaria. Ainda estava com vontade de comer aquele sonho.

Irapuru 19/10/09

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